sexta-feira, 22 de abril de 2011

Música

Hoje fui embora depois que a música desligou. Tive de suportar o silêncio depois de o meu ouvido ter se acostumado com o ruído. A música fora substituída, agora só se ouvia os insetos que madrugavam comigo. O coaxar, o zumbido, os novos ruídos. Ana se esticou e beijou meu rosto, e foi descendo, sua respiração agora era minha nova sinfonia, não conseguia ouvir mais nada. Segurei-a pelo cabelo, do jeito que eu sabia de que ela gostava, olhou pra cima com um sorriso de aprovação. Sua malícia me seduzia e eu me deleitava. Arfava, gemia e suspirava. Olhou-me de frente. Beijo. Era minha vez. Dessa vez eu que desci, mas, com menos romance e mais ação. Ela segurava minhas mãos e pressionava contra o corpo dela como se o bem mais precioso pudesse dela escapar. A minha língua molhou-a e transgrediu todas as promessas, traduziu meu desejo, mas só aquele. Minha mão a preenchia. Minha outra a equilibrava. E minha língua brincava. Arfou, gemeu e suspirou. Deitei-a na grama, tínhamos agora nossa própria música, ritmada e repetitiva. A base. Os dois solistas interpretavam amantes, mas sempre piano. A música passou a ter rubatos. O ritmo mudava. A sinfonia ia se acelerando e ritardando, conforme o desejo dos intérpretes. Os solistas se beijavam loucamente. O peso dos corpos lhes tirava o frio. A lascívia saliva escorria por todo o corpo deles, os lambuzava e os embrulhava para a noite de núpcias. Era a respiração, agitação, emoção, os sons, as cores, as dores, o toque, o calor, a paixão, a volúpia. O aviso. O gemido. A respiração. O beijo. O silêncio.

O regente fechara os punhos.

Que vontade

Acordei com vontade de dormir.
De dar um tiro no vento e depois engolir a bala.
De me deitar na grama, deixar as formigas e todos os insetos subirem em mim e sentir a vida em que eu piso.
De abrigar as histórias, as lendas, os romances ...
De tragar a miséria e soprá-la pra bem longe.
De aterrissar numa terra bem distante daqui. Distante das minhas alegrias, das minhas tristezas e prazeres.
De dormir e nunca mais acordar.
De acordar e nunca mais dormir.
De sonhar com outra realidade.
De realizar um sonho.
De mastigar todos os chocolates.
De amar todos os amores.
De sofrer por todas as paixões.
De segurar a mão de todos os órfãos.
De dividir meu pão com os famintos.
De abraçar os desolados.
De dormir olhando as estrelas.
De ler aquele livro.
De ouvir aquela música.
De estar com aquela pessoa.
De tocar piano.
De sumir.
De me encontrar.
De me conhecer.
De me conhecer.
Acordei com vontade de dormir.